ENTREVISTA ESPECIAL: "Setor primário já representa 8% da economia do AM", diz Muni Lourenço

Manaus - Em julho desse ano, o Governo do Amazonas anunciou a destinação de R$ 350 milhões para o setor primário, o que representa a fatia de 3% do orçamento total do Estado. O investimento aumentou, mas a agropecuária amazonense tem potencial para muito mais. É o que presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas (FAEA), Muni Lourenço, afirma em entrevista ao PORTAL EM TEMPO. Ele falou ainda sobre o impacto do setor na economia do Estado, os avanços e as expectativas para a produção agropecuária amazonense.

EM TEMPO - Atualmente, qual é a força da agricultura e da pecuária para a economia amazonense?

Muni Lourenço - No último dado que temos sobre a participação do setor primário no Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, ele representa 8% das riquezas produzidas no Amazonas. Isso compreende toda a economia gerada pela agricultura, pecuária, extrativismo e pesca.

EM TEMPO - Qual a particularidade desses setores dentro da nossa região?

M.L. - No Amazonas, há uma prevalência da chamada agricultura familiar, dentro do perfil de pequenos produtores que produzem pela própria força de trabalho e de sua família. São mais de 330 mil pessoas que vivem dessa atividade econômica. Temos verificado que algumas regiões começam a apresentar um perfil de agronegócio, com mais escala de produção, principalmente na Região Metropolitana e no Sul do Estado. Isso tem se intensificado nos últimos 15 anos.

EM TEMPO - Esse avanço do agronegócio pode ser uma lenta substituição à agricultura familiar?

M.L - A legislação ambiental no Amazonas é muito restritiva; em consequência, o uso de grandes áreas para o agronegócio sofre limitações. Nós acreditamos que haja uma tendência de ampliação do agronegócio no Estado, mas ainda com a permanência da agricultura familiar de pequeno porte.

EM TEMPO - Em quais regiões do Amazonas a agricultura familiar apresenta crescimento?

M.L - A agricultura familiar está presente no Estado inteiro. O Sul do Amazonas, na calha do Rio Purus e do Madeira, vem apresentando um perfil de crescimento. Temos a região metropolitana de Manaus com grande potencial e já com destaque na produção local, principalmente em função da proximidade com o mercado consumidor. Municípios como Rio Preto da Eva, com piscicultura e a citricultura, e Presidente Figueiredo com a produção de hortaliças, abastecem em grande escala feiras e mercados de Manaus. Careiro da Várzea e Autazes também têm se destacado na produção de laticínios, queijos e derivados. Itacoatiara tem um polo produtor de abacaxi. A própria cultura agrícola da mandioca nas áreas de várzea tem um grande mercado consumidor de farinha e produtos derivados.

M TEMPO - E em relação à exportação de produtos para outros estados?

M.L - O grande desafio do Amazonas é diminuir a importação de alimentos de outros estados. Ainda somos muito dependentes da importação. Isso não é bom porque encarece a cesta básica das famílias e faz com que enviemos divisas para gerar empregos em outros locais, empregos que poderiam ser gerados no nosso interior. Hoje o Amazonas tem vendido frutas e polpas, como o abacaxi que vem do polo produtor em Itacoatiara. O açaí, por exemplo, tem a polpa comercializada na agroindústria de outros estados e mesmo em outros países.

EM TEMPO - A avicultura ainda permanece forte no Estado?

M.L - Somos o quinto maior polo produtor de ovos de galinha do Brasil. São ovos roduzidos em granjas perto de Manaus, mas não comercializamos para outros estados. Em alguns meses até se consegue autossuficiência, um equilíbrio entre o que é produzido e o que é consumido de ovos de galinha. Temos mantido diálogos junto aos governos e grupos que comercializam grãos usados na ração animal para conseguir dar mais competitividade à cadeia produtiva de postura de ovos. Sofremos concorrência muito direta das granjas do Centro-Oeste, que tem custos de produção menor pela proximidade com a região produtora de milho e soja do Mato Grosso.

M TEMPO - Além da competitividade com outros estados, quais são os desafios para o desenvolvimento da agropecuária amazonense?

M.L - A regularização fundiária é um deles. Temos problemas com a morosidade dos programas de regularização fundiária para a titulação da terra dos produtores. Sem o documento da terra, o produtor não tem segurança jurídica para investir e diversificar sua produção. Além disso, há a questão da infraestrutura deficiente em relação à energia elétrica e escoamento da produção no interior. Outra questão é a falta de acesso dos produtores à orientação e assistência técnica para produzirem de forma eficiente.

Nossa visão é que o Amazonas tem seu carro-chefe, a Zona Franca, mas é imperiosa a consolidação de segmentos de emprego e renda no interior do estado. Sem dúvida, o setor primário é um desses segmentos, junto com a mineração, turismo e outros. Defendemos que as políticas públicas de fomento ao setor primário sejam ampliadas, tanto pelo prisma econômico, de geração de emprego e renda, quanto pelo prisma social, pelas 330 mil pessoas no interior que precisam se fixar nesses municípios.

M TEMPO - Dentro da FAEA, quais são as iniciativas para fornecer essa orientação técnica ao produtor familiar?

M.L - Temos o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) onde uma instituição credenciada forma profissionalmente o trabalhador para o mercado rural. São disponibilizados programas e atividades educacionais, cursos profissionalizantes de aprimoramento de recursos humanos para o setor primário em vários segmentos da atividade produtiva rural do Amazonas. Mais recentemente, o SENAR iniciou um trabalho de assistência técnica para o gerenciamento de propriedades rurais. Isso não se sobrepõe à atividade do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário do Amazonas (Idam), que é por excelência quem presta serviços de extensão rural.

EM TEMPO - E como tem sido a adesão e o alcance do SENAR?

M.L - A procura tem sido bastante positiva, principalmente por parte pequenos produtores pelos cursos profissionalizantes. São cursos gratuitos, com um material instrucional didático muito bem elaborado. Percebemos que os profissionais formados têm uma perspectiva maior para a obtenção de empregos, assim como a melhoria da eficiência na produção rural.

M TEMPO - Sobre técnicas de produção, quais são tendências para o Amazonas?

M.L - Estamos vivendo os movimentos da chamada agricultura 4.0 ou agricultura de precisão. Cada vez mais inovações tecnológicas, de equipamentos, máquinas e softwares chegam na rotina do produtor rural. Também há a intensificação de técnicas existentes. O aprimoramento genético de animais para produzir com mais qualidade e produtividade. No Amazonas, é cada vez mais ampla a adesão dos produtores à inseminação artificial e fertilização in vitro, que promovem melhorias nos índices da pecuária. Já na agricultura, temos a participação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com o melhoramento genético de plantas e novas variedades de culturas agrícolas. É uma resposta ao que vamos enfrentando com as cheias acima da normalidade nos últimos anos, que prejudicam as culturas produzidas nas regiões de várzea.

EM TEMPO - Considerando que estamos na Amazônia, sempre cabe perguntar, é possível o equilíbrio entre a preservação ambiental e a produção rural?

M.L - Sem dúvida. É perfeitamente possível conciliar a produção de alimentos com a sustentabilidade ambiental. Para que tenhamos esse equilíbrio, é fundamental o acesso mais amplo às novas tecnologias que permitam o aumento de produção de forma verticalizada, ou seja, aumentar a produção sem pressionar a floresta. Mantemos 97% da cobertura vegetal intacta. Temos a convicção que não há contradição entre o desenvolvimento do setor primário com respeito ao meio ambiente.

EM TEMPO - Ainda falando sobre meio ambiente, qual a sua opinião sobre a recente liberação dos agrotóxicos promovida pelo Ministério da Agricultura?

M.L - Defendemos o uso racional dos defensivos agrícolas que não comprometam a saúde do produtor e trabalhador rural nem o meio ambiente. Para isso, é fundamental o acompanhamento técnico e o uso do receituário agronômico, que é a indicação por um engenheiro agrônomo de qual defensivo deve ser usado e a dosagem para que tenhamos um equilíbrio nessa produção. Acompanhamos a autorização dos novos defensivos agrícolas e o Brasil mantém critérios muito rigorosos na liberação desse uso. Inclusive, o país ficou defasado por alguns anos na liberação de defensivos agrícolas com princípios ativos menos impactantes para o meio ambiente. O Ministério autorizou porque o país precisa ter a preocupação constante com o meio ambiente, mas também precisa manter a competitividade da sua produção rural em relação aos demais países. Nós confiamos no critério e rigor com o qual esse trabalho está sendo feito e a garantia que a atividade rural não ficará em desvantagem.

EM TEMPO - Quais são as perspectivas da FAEA para o setor nos próximos anos?

M.L - Para que a previsão de uma tendência se concretize, depende de fatores como políticas públicas. A FAEA vislumbra um crescimento na atividade rural do nosso estado em segmentos que começam a se destacar, como aquicultura e piscicultura. Temos essa vocação maior para a produção e manejo de peixes com o volume de águas que nos cerca. A própria fruticultura e a pecuária de leite são bastante apreciadas e cada vez mais presentes na produção. Nossa expectativa é que o setor rural represente, nos próximos anos, 10% do PIB do Amazonas.

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